sábado, 7 de julho de 2012

MATÉRIA DA REPORTER BRASIL SOBRE DENDÊ EM TEFÉ

23/09/2009

Parceria com Malásia em Tefé deve ser descartada no Amazonas

Localizado às margens do rio Solimões, Tefé seria a base de uma parceria entre o governo estadual e a empresa Braspalma, representante no Brasil da Felda, órgão de Desenvolvimento de Terras da Malásia.
Por Verena Glass
Pouco mais de um ano depois, o projeto fazer o município de Tefé, no coração do Estado do Amazonas, um novo pólo do dendê nacional, parece ter sido enterrado pelo governo amazonense. Localizado às margens do rio Solimões, Tefé seria a base, segundo anúncio feito em 2008, de uma parceria entre o governo estadual e a empresa Braspalma, representante no Brasil da Felda, órgão de Desenvolvimento de Terras da Malásia. Previa-se a cessão de 100 mil hectares ao empreendimento - 20 mil hectares para o cultivo de dendê em uma área ocupada hoje por agricultores familiares, e 80 mil hectares para a constituição da reserva legal. Entretanto, uma série de dificuldades sociais, fundiários e ambientais - já antevistos pelo relatório do Centro de Monitoramento dos Agrocombustíveis em 2008 - inviabilizam a proposta inicial, tornado o caso um exemplo das dificuldades a serem enfrentadas para a implantação de uma dendeicultura em larga escala na Amazônia.
Nas discussões iniciais entre o governo estadual e a Braspalma, na primeira etapa do novo projeto de dendeicultura, a idéia era ocupar as áreas pertencentes à falida Empresa Amazonense de Dendê (Emade), empreendimento abandonado ainda na década de 1980. Na década de 1990, em especial por ocasião de uma seca severa em 1998, seguida por uma cheia descomunal do Solimões em 1999, muitos ribeirinhos deixaram as barrancas do rio e se instalaram às margens da estrada da Emade, remanescente dos investimentos em estrutura feitos no projeto falido.
De acordo com o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), rede que reúne mais de 600 organizações sociais da Amazônia e que passou a acompanhar as negociações entre o governo e a Braspalma, o primeiro questionamento das organizações locais foi referente à destinação das cerca de 2 mil pessoas que vivem na área que supostamente seria destinada à empresa, e que "dependem da produção de farinha de mandioca e de produtos do extrativismo vegetal para sua sobrevivência".
Segundo Aginaldo Queiroz, coordenador do GTA em Manaus, em meados de 2008 o governo anunciou que seria feito um levantamento fundiário da região pelo Instituto de Terras do Amazonas (Iteam), para reconhecimento da situação de ocupação e posterior titulação das áreas. Nos meses seguintes, porém, o GTA recebeu a informação de que, grosso modo, o Iteam não estaria visando à titulação das áreas de posse, mas fazendo um levantamento sobre a disponibilidade dos agricultores em se integrar ao projeto de cultivo de dendê da Braspalma. O porto de Tefé, em construção no Solimões no limite da área da Emade, passaria a ser de uso exclusivo da Braspalma, e as estradas de acesso a Tefé seriam privatizadas.
Este novo rumo das coisas acabou incomodando a administração municipal, inicialmente animada com possíveis investimentos e atração de recursos por parte do projeto, e mudou a posição do poder executivo. De acordo com o relato de um membro do governo de Tefé, o peixe que se vendeu não era o que se queria entregar: "o projeto iniciou com a possibilidade de regularização fundiária; foram feitos cadastramentos, as pessoas (agricultores) criaram uma boa expectativa - realmente acreditava-se que aconteceria a tão esperada reforma agrária; os agricultores teriam terra, teriam um processo de produção (dendê) e uma estratégia de futuros rendimentos - e o melhor, o dendê poderia ser cultivado em consórcio com a agricultura tradicional (existem coitados que acreditam nisso até hoje)".
Segundo o secretário de Meio Ambiente de Tefé, Carlos de Sá Ferreira, também há empecilhos legais ao acordo entre o Estado e a Braspalma/Felda: primeiro, diz ele, a área da Emade é dividida em 4.063 hectares do lado esquerdo e 6.669 hectares do lado direito da estrada construída pelo projeto original. Como as duas áreas possuem mais de 2.500 hectares, por lei o governo do Amazonas não pode fazer qualquer cessão sem aprovação prévia de alienação das terras por parte do Congresso Nacional.
Por outro lado, Ferreira avalia que o Iteam não pode gerir qualquer procedimento de doação ou concessão dessas áreas, uma vez que se encontram 100% dentro dos limites do município de Tefé, a quem compete determinar qualquer procedimento referente a elas. Por último, a Lei Orgânica de Tefé permite apenas a transferência de uso de terras - e não doação - mediante concessão, ou permissão a título precário, por tempo determinado (conforme interesse público), através de decreto municipal.
"Vale lembrar que em qualquer processo de concessão de área pública deve haver processo licitatório; no caso da Macrozona Novo Horizonte (onde está inserida a área da Emade), a maioria das terras já foi doada para pessoas físicas e jurídicas de Tefé, e existem poucas áreas públicas municipais", conclui Ferreira. O imbróglio fundiário e o fato de que, segundo o GTA, seria necessário desmatar cerca de 12 mil hectares de floresta nativa para dar o pontapé inicial ao projeto de dendeicultura, levaram o governo estadual a rever o acordo com a Malásia.
Segundo técnicos do Iteam, o governador Eduardo Braga (PMDB), empenhado em vender uma imagem de Estado preocupado com a sustentabilidade socioambiental, avaliou que o ônus dos problemas ambientais e sociais seria maior do que o bônus de investimentos estrangeiros no Amazonas. Oficialmente, o Iteam afirma que o governo está descontente com a proposta apresentada pela Braspalma e resolveu paralisar as negociações até que a empresa apresente um "projeto mais consistente". Assim que tiver a "formulação final" da proposta de Braspalma, segundo o Iteam, o projeto será colocado em debate para a sociedade civil. Não há prazos para nenhuma destas etapas.
Clique aqui e leia o último relatório da Repórter Brasil sobre o dendê e outras culturas agrícolas usadas na produção de biodiesel.
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