quinta-feira, 26 de abril de 2012

CONSERVAÇÃO E COMUNIDADE

Conservação e Comunidade
Texto apresentado no I Simpósio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC no Amazonas – Agosto de 2006 e na III Feira Internacional da Amazônia – Setembro de 2006, em Manaus – AM.
A escassez de espécies de peixes nos lagos e rios da Amazônia, especialmente os de valor comercial, levou a adoção em milhares de comunidades ribeirinhas e indígenas de um modelo de “preservação de lagos”, idealizado no âmbito da Prelazia de Tefé, no Médio Rio Solimões e Afluentes, no Estado do Amazonas, que consiste na delimitação de lagos controlados pelas comunidades, classificados como “santuário”, para a procriação; “manutenção”, usados para a pesca de subsistência e “livres”, abertos para a pesca comercial.
Essa iniciativa também se fez presente em outras áreas da Amazônia, especialmente no Médio e Baixo Rio Amazonas, no Estado do Amazonas e Pará, respectivamente e, possuem as características baseada nas ações coletivas e comunitárias, que deram origem a regulamentação e acesso legal aos recursos pesqueiros e naturais, presentes especialmente na várzea, mas sempre destacando o uso coletivo.
A mediação exercida pela Igreja Católica – Prelazia de Tefé, através de seus missionários e agentes de pastoral estabeleceu uma ruptura com o Estado e a quebra do sistema tradicional de usufruto dos recursos, que são e passam a ser entendidos como finitos, especialmente para os ribeirinhos e indígenas. Houve o estímulo de novas regras de uso e acesso a estes recursos, especialmente o pescado. No fundo, e pouco se fala nisso, a luta é pelo direito a terra e água. Quem controla esses bens, tem o direito aos bens naturais. Aqui está a base do movimento de preservação de lagos, encabeçado por ribeirinhos, extrativistas e indígenas.
Dessa lógica, foram criadas várias frentes de ação política, partindo do “embate” e luta contra os pescadores, denominados friamente de “invasores”, até a discussão de leis, formação de bases, articulação em redes, presença em instâncias governamentais paritárias ou não. Dessas várias frentes, surgiram os grupos sociais em diversos lugares e regiões, que mais tarde se articularam em redes macro regionais, infiltraram-se em comitês, conselhos e comissões em âmbito estadual e federal, construíram novos mecanismos de disputa política, através do quarto poder (sociedade – povo), novos quadros foram formados nas bases, surgiam os AAV – Agentes Ambientais Voluntários e as reformulações de leis deram uma nova dinâmica a luta. Também os assessores passaram a ter uma nova visão de ação, a de inserção e reivindicação de políticas públicas e a necessidade de sensibilizar o povo para a tomada de poder gradativamente, ampliando seu raio de atuação.
A base de acesso dos recursos naturais passou da idéia da preservação dos lagos para a unidade de conservação de uso sustentável e terras indígenas, que garante de forma legal o uso da terra e o manejo desses recursos à luz da orientação técnica e legal. A diversidade dos arranjos institucionais e de recursos manejados é uma combinação de fatores, aliadas a uma estratégia de desenvolvimento local.
No fundo também, o movimento de preservação deu várias guinadas, mas nunca perdeu o foco principal que é a dignidade da pessoa humana, aliada a uma melhor qualidade de vida, baseada na garantia da terra e da água. E para isso, os avanços foram imensuráveis e muitas lideranças de base não conseguem ter hoje a compreensão de tantas mudanças e conquistas, no entanto, sabem que precisam avançar nessas conquistas, como por exemplo, a decretação e implementação das unidades de conservação, através das políticas públicas, a regulamentação das terras de várzeas presentes em áreas de interstícios para uso coletivo das comunidades, a homologação de dezenas de terras indígenas que estão paradas no Ministério da Justiça, a continuidade da formação das bases, do fortalecimento das organizações sociais e de sua aliança em redes.
Nessa lógica, o movimento de preservação de lagos na região do Médio Rio Solimões e Afluentes é um exemplo das dinâmicas e processos relacionados ao manejo comunitário dos recursos naturais. É a firme proposição das regras de acesso e uso dos lagos provocada pela percepção da escassez do peixe, fixou metas, passando do embate a proposição de novas políticas, leis e na concepção de grupos sociais sólidos e representativos de micro-regiões, presentes hoje em unidades de conservação e terras indígenas, e aliados a parceiros em redes, tendo sempre como referência a comunidade, influência da Igreja Católica na formação de suas bases e lideranças, provocada pelo conceito da Teologia da Libertação, embora hoje, quase todos que fazem parte dessa discussão negam qualquer aliança a essa última indicação.
Centenas de comunidades estão envolvidas em graus diferenciados com o movimento de preservação de lagos e, conquista e acesso a terra e água, apoiadas por uma dezena de instituições de base e ambientalistas e pela Igreja Católica, sendo que esta última continua a chegar nos lugares mais longínquos e consegue uma inserção em uma camada da população ribeirinha e indígena sem proposições a serem destacadas, a não ser, a ação de evangelização e valorização da pessoa humana no Médio Rio Solimões e Afluentes.
A ação evangelizadora da Igreja do Brasil, que a partir da Teologia da Libertação e demais orientações do Concílio Vaticano II (1965), optou pela constituição e implementação de ações voltadas para o fortalecimento das famílias a partir dos seus pequenos espaços, sendo que esta proposta passou a ser as Comunidades Eclesiais de Base – CEB’s.
Na Prelazia de Tefé essa ação evangelizadora encontrou uma intensa aceitação do clero e dos leigos (as), que se dispuseram a organizar as famílias ribeirinhas e indígenas nas barrancas do Médio Rio Solimões e Afluentes, com especial destaque para as calhas do Rio Japurá, Rio Juruá, Rio Tefé e Rio Jutaí. Essa proposta de ação tem pautado a promoção humana na sua integridade, levando ao homem ribeirinho e indígena conhecimentos que possibilitaram o seu desenvolvimento pessoal e social.
O Movimento de Educação de Base – MEB, organismo da Igreja Católica teve um papel importantíssimo nessa região, pois se dispôs a organizar as famílias, capacitar as lideranças e implementar a educação formal direcionada para jovens e adultos. Essa ação se concretizou em uma forte organização comunitária; em um número de pessoas envolvidas em atividades sociais e políticas; em uma forte evangelização e presença da Igreja Católica nas comunidades ribeirinhas e indígenas; nas reivindicações de políticas públicas sociais, cidadania e democracia e no que se ver evidente nos dias de hoje: o reconhecimento de um povo chamado ribeirinho e indígena, presente em suas comunidades, primando pela partilha e pela solidariedade.
Os ribeirinhos e indígenas da Região de Tefé, que fica no Médio Rio Solimões e Afluentes tem sua luta alicerçada na vida, no sentido de manter-se fixado na terra, preservando esta para a vida, para gerar seu sustento diário. Lutar por melhoria na qualidade de vida do povo inclui também uma outra vertente, a luta pela água, pelo peixe de cada dia, a continuidade do fortalecimento comunitário e no estabelecimento de novas relações sociais.
A Região de Tefé possui inúmeras comunidades e setores, o que facilita uma ação planejada de formação, mas ao mesmo tempo falta um corpo técnico e melhor qualificação para atender as demandas das comunidades.
As ações de formação são difíceis, por causa das distâncias e pelos poucos recursos financeiros. Vale ressaltar que a formação das lideranças de base é de suma importância para o coletivo, onde estas cada vez amadurecem e adquirem novos conhecimentos e formas de relacionamento em parceria e crescem coletivamente em suas ações e proposições.
O sonho de um trabalho comum assumido por todos e de melhores condições de vida para as famílias se torna cada dia mais concreto a partir da lógica de quem vem atuando e lutando para modificar a situação vigente.
Os ribeirinhos e indígenas representam a maioria da população rural do Estado do Amazonas e ocupam as terras de várzeas e terra firme do Rio Solimões e Afluentes. Estão organizados em comunidades, que intermediam as práticas de convivência social e através das suas lideranças comunitárias estabelecem os vínculos com as estruturas formais dos municípios, Estado e União e demais instituições não governamentais.
Fica o desafio de se manter viva uma cultura moldada pela solidariedade e construída com a participação do coletivo, o que Jean Vanier (1982) diz: “a comunidade é o lugar em que cada pessoa se sente livre para ser ela mesma, expressar-se e dizer com toda confiança o que vive e o que pensa”. E entendemos que seja também: o lugar de construção e exercício da democracia e da cidadania.
Tefé (AM), setembro de 2007.
Francisco Aginaldo Queiroz Silva
Bolsista do Instituto Internacional de Educação do Brasil – IIEB – Programa BECA
Graduado em Geografia pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA
Membro do Grupo de Casais de Tefé – GRUCATE
Membro do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Amazônico – IPDA
Colaborador do Grupo de Trabalho Amazônico – Rede GTA
Referências
à CPT – Comissão Pastoral da Terra – AM. Cartilha do Movimento Ribeirinho do Amazonas – I Seminário sobre Identidade Ribeirinha. Manaus – AM, outubro de 2003.
à CNBB. Documento N.º 25 – CEB´s. 1986.
à CNBB. Documento N. º 62 – Missão e Ministério dos Cristãos Leigos e Leigas. 1999.
à CUNHA, Luis Henrique; OLIVEIRA, Ana Cristina. Manejo de Lagos na Região do Médio Solimões: A experiência das Comunidades do Grupo de Preservação e Desenvolvimento – GPD. Belém – PA. 2003.
à Concílio Vaticano II. Ad Gentes – Decreto sobre a Atividade Missionária da Igreja Católica. 07.12.1965.
à Movimento de Educação de Base – MEB/Departamento Tefé. Visão Global e Institucional do MEB. Tefé – AM. 1997.
à Prelazia de Tefé. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Prelazia de Tefé. 2004.
à VANIER, Jean. Comunidade: lugar do perdão e da festa. Ed. Paulinas, São Paulo, 1982.

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