domingo, 13 de maio de 2012

HISTÓRIA DA PRESERVAÇÃO E AS COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO MÉDIO SOLIMÕES - PARTE II, III e IV

Parte II – Reservas Extrativistas – RESEX[7]
As primeiras reservas extrativistas – RESEX’s do Brasil foram criadas na década de 1990, como fruto do movimento de seringueiros no Estado do Acre, liderados por Chico Mendes e por Organizações Não Governamentais – ONGs que almejavam melhores condições de vida para as populações das comunidades, lutando contra a crescente degradação ambiental, a violência, os latifúndios e a pobreza.
Esse movimento se expandiu posteriormente para todo o território nacional, tendo na questão fundiária e na solução dos conflitos sobre o uso do espaço territorial, condição e essência para a consolidação de sua atividade econômica.

Desde então, o Governo Federal e alguns governos estaduais vêm reconhecendo este instrumento de gestão ambiental. No âmbito do Governo Federal foi criado em 1992, o Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais – CNPT, instância ligada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, com o objetivo de discutir, articular e apoiar ações comunitárias, incentivando a utilização dos recursos naturais renováveis, a gestão ambiental, a proteção dos ecossistemas e a diversidade sócio-cultural. Atualmente o Governo Federal criou o ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, instância responsável pelas gestão e implementação das unidades de conservação federais.
Devido as características do extrativismo, direcionado essencialmente à exploração de produtos oriundo do ecossistema florestal[8], no caso da Amazônia, e também dada as condições de sustentabilidade histórica desta exploração, o movimento ambientalista garantiu seu apoio a esse modo de produção.
Na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, conhecida como ECO – 92, realizada no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992, promovida pela Organização das Nações Unidas – ONU, o extrativismo ganhou contorno de ação concreta de desenvolvimento sustentável, demonstrando que podia estar no conhecimento das populações tradicionais a chave para se chegar a uma ocupação sócio-econômica condizente com a realidade ambiental de uma determinada região. Nesse sentido, o conservacionismo tem um enfoque ecossistêmico que aparece com base conceitual na Convenção sobre a Diversidade Biológica.
Ficou evidente que o teor da intocabilidade dos recursos naturais, representados pelo preservacionismo, que levava ao extremo da incompatibilidade da convivência do homem com a natureza, e por isso, equivocado no âmbito da sustentabilidade. Assim sendo, as convenções recomendaram a necessidade de se valorizar o homem e o manejo dos recursos naturais e valorizar isso como bem econômico.
Nesse arcabouço de proposições o extrativismo e seu correspondente institucional, as RESEXs, como as idealizadas por Chico Mendes, adquiriram expressão internacional pelo seu significado para o desenvolvimento sustentável de uma das regiões de maior importância e preocupação do Planeta: a Amazônia.
A Lei Federal N.º 9.985, de 18/07/2000, aprovado pelo Congresso Nacional e regulamentado pelo Decreto Federal N.º 4.340, de 22/08/2002, instituiu o Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza – SNUC, que de maneira geral, reforça o conservacionismo, deixando clara a necessidade em se promover a inserção econômica das Unidades de Conservação – UCs, principalmente aquelas classificadas como de uso sustentável, como é o caso das Reservas Extrativistas – RESEXs, da qual estas fazem parte.
Segundo o SNUC, Artigo 18, Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
Portanto, a Reserva Extrativista – RESEX é conceituada como uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável utilizada por comunidades tradicionais que vivem dos produtos que extraem da floresta, dos mananciais de água e também da agricultura de subsistência e da criação de animais de pequeno porte. Ou seja, objetiva conciliar a conservação dos recursos naturais com seu uso sustentável e manter a cultura das populações tradicionais residentes.
As Reservas Extrativistas – RESEXs só são criadas se a população da área quiser que ela exista. Nesse contexto, precisa-se entender para que ela serve e quais seus principais objetivos. Nesse caso, podemos citar alguns objetivos, como:
· Proteger os meios de vida e a cultura das populações extrativistas tradicionais.
· Garantir o uso da terra pelas famílias que moram na área através de um contrato de concessão de direito real de uso.
· Permitir que as famílias continuem vivendo das atividades econômicas que tradicionalmente vêm executando.
· Conservar os recursos naturais mediante sua exploração sustentável, permitindo que os mesmos continuem disponíveis para os filhos e netos dos moradores.
· Fortalecer a organização e capacitar os moradores para que, mediante o sistema associativo, administrem a área, obedecendo a um Plano de Manejo feito por eles mesmos e aprovado pelo Órgão Gestor Federal ou a Secretaria de Meio Ambiente do estado e seu Conselho Deliberativo.
· Implantar atividades econômicas e sócio-culturais que contribuam para a melhoria das condições de vida das famílias.
Segundo Hogan e Vieira (1995), as Reservas Extrativistas, entre outros exemplos, constituiu um reconhecimento oficial de modos alternativos de vida e de produzir no território nacional. No entanto, seja qual fora a viabilidade dessa proposta, na prática uma extensão desse reconhecimento abrangeu, entre outros grupos, os pequenos produtores ribeirinhos na Amazônia, que preferiram não se proletarizar.
O desafio das lideranças das comunidades ribeirinhas, especialmente aquelas presentes na RESEX, está alicerçada com a história política e econômica da região, que se confundem com a dos ciclos dos produtos florestais.
A RESEX é classificada como de uso sustentável, isto é: destinada a compatibilizar a atividade produtiva, baseada no modo extrativista de produção, com a manutenção da cobertura florestal, em uma descrição prática e atual, de mais relevante grau e significado, do denominado conservacionismo originado em meados do século dezenove.
As Reservas Extrativistas passaram, rapidamente, à condição de ícone de um movimento ambiental rejuvenescido pelos ideais do recente conceito de Desenvolvimento Sustentável e de Educação Ambiental.
Na Região do Médio Solimões e Afluentes, a Prelazia de Tefé também colaborou com as discussões do modelo RESEX e na proposição jurídica de várias unidades de conservação. Aqui vale destacar a liderança do Pe. João Dericx em Carauari, da Irmã Isabel em Juruá, além dos Agentes do MEB em Carauari, Jutai e Tefé e a Assessoria Jurídica, liderada por Dr. Claudemir, entre tantos outros leigos/as que abraçaram essa idéia junto com as comunidades ribeirinhas, passando da ação de preservação de lagos, praias e tabuleiros para as RESEX.
Atualmente na região compreendida da Prelazia de Tefé tem as seguintes RESEXs:
· RESEX do Médio Juruá, no Município de Carauari
· RESEX do Baixo Juruá, no Município de Juruá
· RESEX do Rio Jutaí, no Município de Jutaí
· RESEX de Auati-Paraná, no Município de Fonte Boa
· RESEX do Catuá/Ipixuna, nos municípios de Tefé e Coari
Claro que há outros modelos de unidades de conservação que tiveram e tem a participação e colaboração da Prelazia de Tefé, caso das Reservas de Desenvolvimento Sustentável – RDS, como exemplo desse modelo tem-se nessa região a RDS de Mamiraua, Amaná, Uacari e Cujubim.
Vale ressaltar aqui um fato importantíssimo no relacionado ao modelo RESEXs. A Prelazia de Tefé esteve presente nos debates de concepções políticas e jurídicas desse modelo, através do Pe. João Dericx, consolidadas na Carta de Curitiba e apostou que para se ter sucesso era necessário ter uma organização das famílias forte e formação de lideranças contínua. Por isso, nem uma RESEXs no Médio Solimões e Afluentes foi criada sem antes ter uma associação consolidada e proponente da solicitação da unidade de conservação junto ao Governo Federal ou Estadual.
Não sabemos dizer se essa opção influenciou diretamente na formulação desse modelo como política pública constante atualmente no SNUC e nos procedimentos para solicitação nesse modelo, pois os Estados do Acre, Rondônia e Amapá também tinham e tem instituições de base fortíssimas. Faltam-nos base cientifica para afirmar, no entanto, por onde andamos discutindo esse modelo de unidade de conservação afirmamos essa constatação e destacamos a importância da existência da associação “mãe” da RESEX.
Destacou ainda a importância dessa organização social forte quando temos oficializando no âmbito de ICMBio que a RESEX do Baixo Juruá, no censo das RESEXs, de 2007, está em 4º lugar em implementação e essa mesma RESEX foi umas das poucas UC que auto-financiaram seu Plano de Gestão e seu Conselho Deliberativo.
Parte III – Lideranças
Não vamos aqui conceituar nada sobre liderança de base e seu papel social. Deixo isso para outros pensadores da Prelazia de Tefé, mas afinados com a temática. No entanto queria destacar que religiosos/as e leigos/as assumiram um papel de ator social principal nesse movimento de preservação que vai dar para as unidades de conservação, nos assentamentos, terras indígenas e acordos de pesca e manejo de lagos.
Queria aqui ressaltar alguns nomes que me marcaram muito por sua dignidade, força de trabalho e colaboraram com minha formação pessoal e profissional.
Entre aqueles que já se foram e In Memória destaco o Irmão Falco, alicerce do movimento de preservação de Lagos; João Cavalcante, poeta, único dos preservadores que publicou um livro; João Batista, para mim assassinato de forma brutal, grande defensor dos lagos e das RESEX; Sá; Antônio Bezerra e o casal Antônio Martins e Lurdes.
Entre os que estão ainda entre nós gostaria de destacar a força e o trabalho do Pe. João Dericx, grande escritor de nossa região; Pe. Jansen, Pe. Domingos, Irmã Isabel, Dr. Claudemir, Dr. Mário, Antônio Cândido, Adevaldo Dias, Pinto, Lionilde, Romaine, Gabriel, Napoleão, Erivan, Firmino Walter, Carlos Ramos, Ana Mota e Manuel Cunha.
Parte IV – Perspectivas
Como perspectivas das lutas sociais na região de Tefé advinda do movimento de preservação de lagos, atualmente apontam para outros desafios, que vão de encontro ao processo de fortalecimento da organização social. Nesse sentido, aponto os indicativos abaixo:
ü Garantir as Instruções Normativas ou Portarias dos lagos preservados junto ao IBAMA, SDS – Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e MPA – Ministério da Pesca e Aqüicultura
ü Manter os Acordos de Pesca e ampliar-los em algumas regiões
ü Continuar o manejo de pesca do pirarucu e tambaqui dentro de bases sustentáveis e ampliar-lo para outras espécies
ü Garantir um preço mínimo para o pescado manejo negociado com as comunidades
ü Manter os lagos santuários em áreas preservadas e unidades de conservação
ü Garantir a implementação dos planos de gestão das unidades de conservação e o funcionamento dos conselhos deliberativos
ü Manter fortalecidas as associações mães, sem a influência e domínio dos políticos e instituições dos governos municipal, estadual e federal
ü Continuar a formação das novas lideranças de base
ü Continuar as reivindicações das políticas públicas socioambientais e produtivas para as comunidades ribeirinhas.
Manaus (AM), Julho de 2010.

Referências Bibliográficas
ü CPT – Comissão Pastoral da Terra – AM. Cartilha do Movimento Ribeirinho do Amazonas – I Seminário sobre Identidade Ribeirinha. Manaus – AM, outubro de 2003.
ü CNBB. Documento N.º 25 – CEB´s. 1986.
ü CNBB. Documento N. º 62 – Missão e Ministério dos Cristãos Leigos e Leigas. 1999.
ü CUNHA, Luis Henrique; OLIVEIRA, Ana Cristina. Manejo de Lagos na Região do Médio Solimões: A experiência das Comunidades do Grupo de Preservação e Desenvolvimento – GPD. Belém – PA. 2003.
ü Concílio Vaticano II. Ad Gentes – Decreto sobre a Atividade Missionária da Igreja Católica. 07.12.1965.
ü Movimento de Educação de Base – MEB/Departamento Tefé.
ü Anotações de Francisco Aginaldo Queiroz Silva. 1985 a 2006. Tefé
ü QUEIROZ SILVA, Francisco Aginaldo. 2008. Subsídio sobre Reservas Extrativistas – RESEX. Manaus: Programa Petrobras Ambiental/ Projeto Mutirão das Águas: GTA
ü CNPT/IBAMA/MMA. 2004. Cartilha: Reserva Extrativista do Baixo Juruá: Administrando em Comunidade – RESEX do Baixo Juruá. Juruá: Associação dos Trabalhadores Rurais de Juruá – ASTRUJ.
ü ABREU, Maria Jasylene Pena de & RIFAN, Alessandro Melo. 2004. Reserva Extrativista. Manaus: Fundação Vitória Amazônica – FVA.
ü CNPT/IBAMA/MMA. 2002. Reserva Extrativista: Desafiando a Uma Nova Conquista – RESEX do Batoque. Brasília.
ü RODRIGUES, Écio. 2006. O Desafio das Reservas Extrativistas Acreanas. Rio Branco.
ü CNPT/IBAMA/MMA. 2002. A Reserva Extravista que Conquistamos: Manual do Brabo. Brasília.
ü HOGAN, Daniel Joseph & VIEIRA, Paulo Freire. 1995. Dilemas Socioambientais e Desenvolvimento Sustentável. Campinas: Editora da UNICAMP, 2a Edição.
ü SDS/AACI. 2005. Plano de Utilização da RESEX do Catuá/Ipixuna. Manaus: SDS/Associação Agroextrativista do Catuá-Ipixuna – AACI.
ü WWF. 2007. Ecoturismo de base comunitária em Reservas Extrativistas. Porto Velho: WWF – Brasil/ECOTURISMO/ECOPORÉ.
ü DERICKX, Pe. João. 2007. Reserva Extrativista: Mais vida neste chão. Belém: Gráfica Editora Meridional.



[1] Educador Popular, com 25 anos de atuação em organização social, políticas públicas e conservação ambiental na Amazônia Brasileira. Graduado em Geografia pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA, Membro do Grupo de Casais de Tefé – GRUCATE. Membro do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Amazônico – IPDA. Membro do Instituto Encontro das Águas da Amazônia – IEAM. Coordenador Executivo e Colaborador do Grupo de Trabalho Amazônico – Rede GTA no Estado do Amazonas. Colaborou nas ações de organização comunitária, formativas, radiofônicos e políticas socioambientais da Prelazia de Tefé por 21 anos na Pastoral da Juventude da Paróquia de Santa Teresa e Prelazia, Movimento de Educação de Base – MEB/Departamento Tefé e Conselho Indigenista Missionário – CIMI/Prelazia de Tefé.
[2] Texto apresentado no I Simpósio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC no Amazonas – Agosto de 2006, na III Feira Internacional da Amazônia – Setembro de 2006, em Manaus – AM e publicado no Livro Campanha da Fraternidade 2007 – Amazônia – Cartilha para Jovens. CNBB – Igreja Católica. 2007.
[3] No Estado do Acre, os seringueiros liderados por Chico Mendes, fundador do CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros lutavam contra os madeireiros e pecuaristas para manter a floresta em pé, especialmente as seringueiras nativas. Essa luta chamava-se “Empate”. Na Prelazia de Tefé, os ribeirinhos, liderados por Irmão Falco, lutavam para garantir o “peixe nosso de cada dia” contra os grandes geleiros advindos do Estado do Pará e da Capital do Estado do Amazonas – Manaus, e chamavam essa ação de “Embate”.
[4] No início da luta de preservação de lagos na Prelazia de Tefé, por volta da década de 60 até o ano de 1998, ira considerado invasores os grandes geleiros advindos de outras regiões do Estado do Amazonas e do Estado do Pará. Após a “Grande Invasão dos Lagos da Ilha do Ice”, liderada pelos pescadores da própria Ilha do Icé, do Bairro do Abial e de outros bairros da Cidade de Tefé, essa nomenclatura foi estendida para todos os tipos de invasões, seja de lagos ou da floresta.
[5] Consideramos para efeito de explicação que o primeiro poder é o Estado (União, Estado e Município), o segundo poder é o Judiciário, o terceiro poder é o Legislativo e o quarto poder é a sociedade civil organizada e o povo em geral. Atualmente acrescentou nos debates formativos o empresariado e as igrejas, estendendo a numeração para seis poderes.
[6] A figura do AAV – Agente Ambiental Voluntário criado por lei e transformado em um instrumento político ambiental foi uma proposição discutida e formulada pelo movimento de preservação de lagos da Prelazia de Tefé e aprimorado em debates promovidos pelo Provarzea/IBAMA/MMA na década de 1990.
[7] Subsídio compilado e elaborado por Francisco Aginaldo Queiroz Silva – Educador Popular, em Fevereiro de 2008, a partir das Referências Bibliográficas citadas, para reflexão e estudo específico com as lideranças extrativistas do Lago do Mamiá, no Município de Coari – AM e Área de Entorno, no Município de Manacapuru – AM.
[8] Em uma adaptação da Convenção sobre a Diversidade Biológica, ecossistema florestal é o espaço ocupado por floresta tropical natural, incluindo a hidrografia, nos quais ocorre um complexo dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microorganismos e o seu meio inorgânico, que interagem como uma unidade funcional.

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