sexta-feira, 11 de maio de 2012

O PROJETO DENDÊ EM TEFÉ

            No dia 15 de novembro de 2008, o Grupo de Casais de Tefé – GRUCATE, foi convidado a participar de uma reunião com o Instituto de Terras do Amazonas – ITEAM, no auditório da Escola Municipal Wenceslau de Queiroz, na ocasião também foram convidados todos os produtores da Estrada da EMADE e suas respectivas associações.
O objetivo da mesma era apresentar aos produtores rurais, o projeto de revitalização da produção de Dendê em Tefé através da empresa BRASPALMA. Após a explanação inicial feita pelo Diretor Presidente do ITEAM, senhor Sebastião Nunes, deu-se início a exposição com o mapa do local onde será as duas áreas destinadas ao projeto, correspondendo na totalidade a 100.000 ha, sendo 80.000 ha para reserva legal, e 20.000 ha destinada à produção da empresa BRASPALMA.
O nosso desconforto começa, quando o mesmo apresenta a área de produção 20.000 ha, toda localizada nas duas margens da estrada da EMADE, com o propósito de desmatamento para plantio correspondente a 2.000 ha por ano. A estrada da EMADE comporta hoje mais de 2.000 pessoas que dependem da produção de farinha e de produtos do extrativismo vegetal para sua sobrevivência, com o desmatamento como irão sobreviver? A proposta apresentada pelo eminente presidente do ITEAM, é que essas pessoas optassem a trabalhar em uma agrovila que a empresa projetou com casas de alvenaria, posto de saúde, escola, luz, água e outros confortos que os mesmos não podem comprar e ainda ganhariam um lote de terras para cultivar o dendê e vender para a BRASPALMA. A outra opção seria que os mesmos fossem ressarcidos pelas suas benfeitorias e se quisessem iriam trabalhar como funcionários da empresa e os demais casos que não chegassem a nenhuma dessas opções teriam que ser tratados individualmente, mas com a condição de que não fossem prejudicados.
Nesse sentido, apresentamos seis restrições a implantação do referido projeto na área proposta.
Primeira: quanto a área proposta pela empresa para realizar a produção.
A área escolhida é extremante importante para a sobrevivência do ecossistema do Igarapé do Xidarini, um dos principais afluentes do Lago de Tefé e que divide a Cidade de Tefé. O mesmo está bem próximo a estrada e a maioria de suas nascentes e de seus subafluentes estão localizadas na área proposta para o plantio do dendê, e isso não foi abordado no levantamento da área, tampouco exposto pelo ITEAM. Nas margens desse igarapé, estão várias famílias agricultoras e extrativistas que ocupam a região por mais de cem anos. Com a possível destruição do mesmo vão ficar sem poder prover seu sustento. No referido igarapé do Xidarini, já existe uma proposta de se fazer um estudo, apoiado pela Secretaria de Estado e Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SDS, via Corredor Central da Amazônia – CCA, para criação de uma unidade de conservação. E ainda podemos nos referenciar ao Igarapé do Xidarini como a maior reserva de água potável próxima a Cidade de Tefé e que ainda não está poluída. Sua extinção só aumentaria a catástrofe ambiental e social da área.
Segunda: quanto as organizações sociais produtivas e extrativistas que lá se encontram.
Ao longo da estrada estão mais de 20 comunidades de produtores rurais, que levaram em média mais de dez anos para serem organizadas. A maioria delas possui registro no cartório local e Cadastro na Receita Federal do Brasil – CNPJ, como instituições com fins não econômicos. Nesse processo está inserido o Grupo de Casais de Tefé – GRUCATE, que a onze anos trabalha com seus associados em uma área de 60 ha., localizada no Km 09 da Estrada da EMADE, protegendo e conservado a referida área de floresta nativa. No momento, acabamos de executar um projeto do Programa Agroextrativismo e estamos aguardando a liberação de recursos de um sub-projeto do Corredores Ecológicos, e por estarmos dentro da área projetada para produção da empresa, estamos vendo os nossos sonhos de conservação e desenvolvimento sustentável virar plantação de dendê. Há outras instituições que tem na área Igrejas, escolas, centros comunitários, festejos periódicos civis e religiosos e seus planejamentos para desenvolver suas atividades fins. Tudo isso tende a ser brutalmente interrompido, determinando assim o fim de toda organização social e comunitária existente a mais de dez anos.
Terceira: quanto as conseqüências.
A proposta é muito bem explanada, porém, carregada de retórica. As palavras bem alocadas no discurso, não conseguem expor as conseqüências ruins, ninguém as expõe. Os agricultores são pessoas muito ingênuas, e estão vislumbrados com a proposta da criação de 2.000 empregos e uma casa na agrovila. Podemos dizer que, já tivemos pelo menos três experiências com agrovilas no Município de Tefé: primeiro, no período colonial quando os índios eram presos e obrigados a trabalhar para os portugueses; segundo, com a extinta EMADE, que não chegou a concluir sua agrovila e terceiro com a empresa paulista CIANÊ, no Rio Tefé na década de oitenta. Todas essas experiências foram frustradas, porque não conseguiram reprimir a liberdade de um povo que preferiu morrer do que ser escravizado pelos seus colonizadores. Desse povo, sobrevivem seus descendentes, que trabalham em suas propriedades no dia que querem e na hora que estão com vontade. Não estão preocupados com índices de produção e nem com o mercado financeiro internacional. Diante das experiências vivenciadas, se essa proposta se concretizar, estaremos sujeitos ao maior choque cultural que o Amazonas pode presenciar na atualidade, de uma empresa capitalista acostumada a lucratividade, com um povo que só produz o que precisa para sua subsistência e mantendo-se em equilíbrio com o meio ambiente.
Quarta: quanto a existência de áreas degradadas.
A área não está degradada, porque desmatamento causado pelos agricultores é mínimo por conta do manejo de capoeiras. A justificativa de que não há mais mata nativa na área é um mito, isso é realidade apenas na antiga área de produção da empresa EMADE já extinta, e mesmo assim, as capoeiras estão em plena revitalização, ou seja, temos o crescimento da floresta secundária, e conseqüentemente a degradação não existe.
Quinta: quanto a interrupção do extrativismo vegetal e fonte de renda das famílias da região.
A prática da coleta de produtos da floresta será interrompida nessa região. Os agricultores também são extrativistas e dependem do açaí, da abacaba, do buriti, das sementes, cipós, fibras e principalmente da coleta da Castanha do Brasil, bastante predominante na região, para sustento de suas famílias. Destinado essa área a produção de dendê, tudo será desmatado e essa fonte de recursos renováveis será extinta. As castanheiras dessas áreas, com o desmatamento ficam desprotegidas e caem com a ação do vento.
Sexta: quanto ao mérito por natureza.
Não é justo depois de tanta luta por esta estrada, entregá-la a quem não precisou lutar por ela. A ocupação da Estrada da EMADE, tem por volta quinze anos, e se iniciou quando a empresa de pesquisa petrolífera LASA, abriu uma picada para sondagem de jazida de petróleo na área. Com isso, os agricultores fundaram a Comunidade de São Francisco da Boa Vontade, e iniciaram o processo de abertura da estrada através de mutirões todas a quartas-feiras usando apenas as ferramentas agrícolas. Após um bom caminho percorrido, a Prefeitura Municipal de Tefé enviou um trator para ajudar no desmatamento, em 1997. Nesse período, a Prefeitura autorizou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tefé – STRT a fazer a distribuição dos lotes para as famílias. Daí por diante, começou a luta para que fosse realizada a terraplanagem e asfaltamento, que só veio acontecer entre os anos de 2007 a 2008.
Nesse período, muitos produtores rurais migraram, e houve a necessidade de formar mais comunidades de produtores. Hoje na Estrada da EMADE tem em torno de vinte instituições fundadas e algumas em processo de formação. Calcula-se, que mais de duas mil pessoas residem e trabalham nessa estrada e que apesar das dificuldades que enfrentaram com a lama e ausência de transporte para produção, sempre manteve-se garantido o abastecimento da cidade com seus produtos e serviços.
Por fim, estamos bastante preocupados, porque segundo a exposição feita pelo Presidente do ITEAM, a área destinada a produção da empresa cobre toda extensão da referida estrada, e segundo o mesmo, a projeção do desmatamento é de 2.000,00 ha. por ano. Com isso, em dez anos não teremos mais floresta na área dos 20.000 ha. e uma das conseqüências, é o assoreamento dos igarapés subafluentes do Igarapé do Xidarini, que perderá seu potencial hídrico.
O GRUCATE, ocupa uma área na Estrada da EMADE, autorizada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tefé, em 1997, para desenvolvermos um trabalho social com nossos casais associados, e conservar a área que nos na época destinada. Com o trabalho, acabamos nos envolvendo também na organização de algumas comunidades. Preocupados com a evolução das comunidades produtoras, e com a conservação das áreas de floresta, resolvemos concorrer com um projeto no Edital do Corredor Central da Amazônia – CCA. Tivemos êxito, no ano de 2008, o projeto foi aprovado e como já citamos acima, estamos aguardando a liberação dos recursos. A pretensão é trabalhar com as lideranças comunitárias e oferecer a eles cursos e oficinas que possam propiciar um bom relacionamento do homem com a natureza, ou seja, o desenvolvimento sustentável, que todos pregam.
O Grupo de Casais de Tefé – GRUCATE faz parte da Rede GTA – Grupo de Trabalho Amazônico, ocupando atualmente a função de Coordenação Executiva do GTA – Regional Tefé, e nesse sentido estão solicitando apoio a Rede GTA, todas as instituições parceiras e autoridades que defendem o meio ambiente, e juntos tentarmos evitar uma série de erros que possam nos causar danos irreparáveis. Precisamos envolver todos e expor todas as conseqüências positivas e negativas que um investimento desse porte possa causar e juntos tentarmos achar outras soluções, quem sabe, um outro local, em que não nos cause tantos prejuízos. Podemos falar de propostas para essa região como o desenvolvimento do ecoturismo, a assistência técnica permanente aos nossos produtores e novas idéias para sobrevivermos da floresta sem destruí-la.
Gostaríamos de deixar evidente, que não somos contra o projeto de revitalização da produção de dendê no Município de Tefé, apenas nos opomos ao local escolhido para produção, e a forma que está sendo conduzido o processo, sem uma verificação In loco, dos riscos de destruição ao meio ambiente e do comprometimento do desenvolvimento social, econômico e humano das pessoas que nessa área residem e trabalham.
O Grupo de Casais de Tefé – GRUCATE, como Coordenação Executiva do GTA – Regional Tefé, e as demais instituições filiadas e o meio ambiente agradecem o apoio dispersado a essa luta e causa.
Tefé (AM), 27 de novembro de 2008.
 Coordenação Executiva do GTA – Regional Tefé
 Coordenação Executiva do GRUCATE

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