sexta-feira, 11 de maio de 2012

SEMINÁRIO CÓDIGO FLORESTAL E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

SEMINÁRIO CÓDIGO FLORESTAL E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA [1]

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA – A VISÃO DA REDE GTA
Muriel Saragoussi
O Grupo de Trabalho Amazônico – GTA, é uma rede de mais de 600 organizações de pequenos agricultores, extrativistas, seringueiros, indígenas, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas, pescadores, ribeirinhos e de entidades ambientalistas, de assessoria técnica, de comunicação comunitária e de direitos humanos.
Ele se organiza por meio de dezoito coletivos regionais, nos nove estados da Amazônia Legal, com uma diretoria e um conselho consultivo. A relação do GTA é principalmente, mas não exclusivamente, com o meio rural e toda a rede compartilha dos princípios do desenvolvimento sustentável. Assim, é fácil entender porque o GTA abraça ambas as causas – Ambientalista e da Reforma Agrária, e considera a regularização fundiária como um instrumento destas causas.
A análise feita a seguir é baseada em nossa experiência amazônica, mas contem muitos elementos que podem e devem ser considerados válidos para o resto do país.
Partimos da idéia de que a regularização fundiária é um processo permanente, parte do ordenamento do espaço, da gestão do território e do planejamento de seu uso, e que ela deve ser um instrumento de democratização do acesso a terra, pactuado com diferentes atores sociais.
Ao analisar a proposta de regularização fundiária contida na MP 458, salta aos olhos seu descolamento de qualquer projeto de ordenamento e gestão territorial: a MP vem para regularizar a ocupação atual do solo amazônico.
Ela não leva em conta o uso que se tenha feito ou se esteja fazendo dele, isto é, desconsidera passivos no cumprimento da lei em geral, e das leis ambientais em particular.
Não leva em conta o tipo ou forma de ocupação da terra, isto é, desconsidera a função social da propriedade e o planejamento do uso do conjunto do território e sua vocação, natural ou desejada – simplesmente considera a ocupação como um fato.
Tampouco leva em conta a forma como foi apropriado o território, se violenta ou não, se real ou não, pois ao não considerar a necessidade de vistoria prévia e não prever qualquer forma de contestação ou controle social sobre o processo, permite que somente os mais informados ou aqueles que tenham mais recursos cheguem até o processo de regularização que não chegará até eles. Diga-se em benefício dos que redigiram a MP que está prevista a criação e disponibilização de um sistema informatizado disponível na rede mundial de computadores para dar transparência a este processo.
A MP utiliza conceitos de ocupação do solo que incluem atividades extrativistas, florestais e pesqueiras, o que é um avanço, mas, contraditoriamente, não prevê nenhum instrumento para a aceleração da demarcação e regularização dos territórios de uso e titulação coletivos. É portanto uma MP de fortalecimento da propriedade privada enquanto os processos referentes à Terras Indígenas, Quilombos, Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável continuam bloqueados na Casa Civil, sujeitos ao que se pode chamar de “veto inconfesso” do Ministério das Minas e Energia, dos Governos Estaduais e dos grileiros.
A MP não faz menção ao Zoneamento Ecológico-Economico – ZEE, nem para dizer que ele deve ser seguido onde existir. Tampouco cria mecanismos para inibir a prática de uso de “laranjas” e de contratos de gaveta, práticas que podem levar em pouco tempo à concentração de terras nas mãos de poucos, como se viu em Rondônia.
Assim, sem salvaguardas e sem contextualização, a MP pode vir a ser o instrumento de regularização da grilagem, do latifúndio e da violência. Ela é uma política do fato consumado e da abdicação do papel e da responsabilidade do Estado em orientar o desenvolvimento da região, expressos no Plano Amazônia Sustentável – PAS, lançado pelo próprio Governo Federal.
O PAS, na versão que emergiu do debate com a sociedade civil, previa o ordenamento territorial como um de seus eixos principais, e a regularização fundiária como um dos instrumento deste ordenamento. Previa também o uso sustentável da floresta e a gestão de florestas públicas. Previa o apoio ao manejo florestal comunitário. Há portanto, no momento atual, uma espécie de inversão de valores, onde o instrumento se apresenta isolado do processo, isolado de uma visão estratégica, distorcido para justificar o que parece ser um compromisso entre duas escolhas políticas, sem servir completamente a nenhuma.
Editar esta MP é um ato de coragem do Governo Federal pois enfrenta um desafio até hoje adiado, e como tal, merece respeito e o envolvimento dos movimentos ligados à Reforma Agrária, ao Meio Ambiente e à Amazônia no seu redirecionamento. No entanto, a própria falta de abertura deste mesmo Governo à participação de seus aliados históricos, favorecendo aqueles que, também historicamente, têm depredado a Amazônia e se apropriado de recursos naturais, terras e recursos públicos é por demais preocupante.
O Governo parece, a um só tempo, abandonar a Reforma Agrária, ou, pelo menos, colocar em posição secundária as condições objetivas para sua efetivação, e abdicar de seu papel de ordenar o território e construir um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, isto no melhor dos casos. No pior, pode efetivamente ter feito uma escolha, e não podemos acreditar que o presidente Lula tenha sido plenamente informado das implicações do que assinou.

[1] Seminário organizado pela Aliança para a Defesa da Reforma Agrária e do Meio Ambiente, no Congresso Nacional, em 10 de março de 2009.

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