domingo, 13 de maio de 2012

A LUTA DOS EXTRATIVISTAS DA RESEX CATUÁ-IPIXUNA NO AMAZONAS

Manaus (AM), 15 de Dezembro de 2009.
Prezada
Nas décadas de 60, 70 e 80 os lagos do Catuá e Ipixuna, nos municípios de Tefé e coari, respectivamente, sofreram uma pressão forte feita por barcos geleiros – pescadores e por madeireiros, especialmente do Estado do Pará e da Capital Manaus.
Na década de 90, com o apoio da Igreja Católica, através do MEB – Movimento de Educação de Base, CPT – Comissão Pastoral da Terra e Assessoria Jurídica da Prelazia de Tefé, as comunidades dos dois lagos iniciaram um processo de capacitação de lideranças, do entendimento das leis ambientais e da decisão da preservação de lagos, proibindo a pesca em larga escala e ficando os peixes, nessa época raros para a subsistência das famílias extrativistas e agricultoras.
Em uma negociação política entre Igreja Católica, Comunidades e IBAMA foi publicada as portarias de lagos, incluindo o Catuá e Ipixuna nesse processo de conservação, ou seja, o IBAMA reconhecia a proteção daqueles lagos pelas comunidades e proibia a pesca comercial. Também apoiaria a Igreja Católica no processo de capacitação das lideranças na área ambiental, no que veio a se chamar Agente Ambiental Voluntário – AAV, mas tarde transformado em lei.
Nessa década de 90, havia-se iniciado o processo de criação de RESEX´s no Estado do Amazonas, liderado também pela Igreja Católica da Prelazia de Tefé, especialmente no Médio Solimões e Afluentes. O espírito de luta pela preservação de lagos, praias, também se dava pela posse da terra e Chico Mendes, no Acre espelhava um pouco essa luta. Depois do Encontro em Curitiba, o Médio Solimões e Afluentes, através de suas comunidades eclesiais de base, estava disposto a avançar no processo de conquista. Com a criação da RESEX do Médio Juruá, explodiu os diversos pedidos para criação de novas UC´s.
Com a presença da Rede GTA – Grupo de Trabalho Amazônico, no Amazonas, especialmente o Regional Tefé e logo após o CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros no Amazonas, as comunidades protocolaram vários pedidos com o apoio da Igreja Católica. O principio básico era que devia haver uma associação mãe que reunisse várias comunidades e uma luta consolidada pela preservação dos lagos, praias e recursos naturais.
Na região do Catuá e Ipixuna, havia quase tudo, faltava somente uma “associação mãe” e foi assim que em 1999, surgiu a AACI – Associação Agroextrativista do Catuá-Ipixuna, a qual quem vos escreve ajudou no processo de criação, na época como membro do MEB, mas com apoio do GTA, Prelazia de Tefé, CPT, Assessoria Jurídica e IBAMA/CNPT. Nesse mesmo ano, as comunidades fizeram diversas reuniões, cursos e encontros para discutir a posse da terra, da água, dos recursos naturais, entendendo o que era uma RESEX, comparar com o modelo do Estado do Amazonas – RDS – Reserva de Desenvolvimento Sustentável, criado por Márcio Ayres – IDSM – Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e SCM – Sociedade Civil Mamirauá, a pedido do Governador do Estado do Amazonas, Amazonino Mendes.
Neste mesmo ano, houve um consenso de se solicitar uma RESEX abrangendo as comunidades dos lagos do Catuá e Ipixuna e foi protocolado o pedido junto ao IBAMA/CNPT, em brasília, com o apoio do IBAMA-Tefé. A partir daí a pressão em cima das lideranças aumentou significativamente. Houve muitas ameaças de morte, invasão dos lagos, invasão das propriedades. Vários empresários e “donos das terras” começaram a pressionar as famílias extrativistas. Mesmo assim, as lideranças resistiram.
Com a chegada do IBAMA/CNPT para completar os levantamentos e fazer as audiências públicas houve intensas mobilizações por parte das comunidades e entidades da sociedade a favor do processo de criação e também pesadas pressões dos poderes locais, que apoiaram os empresários, pescadores e madeireiros, além dos invasores. Muitas famílias “grandes” ligadas ao Catuá e Ipixuna, em Tefé e Coari, se manifestaram, uns a favor e outros contra o processo de criação da RESEX. Havia na época muita comparação com a RDS Mamirauá, que foi inicialmente criada como Estação Ecológica, com 90 comunidades dentro e as famílias estavam proibidas de trabalhar. Somente depois houve a correção do erro pelo Estado do Amazonas, mas já servia para as pessoas como exemplo negativo.
Mesmo assim, chegamos a década de 2000 e com o fim da era FHC – Fernando Henrique Cardoso e de Amazonino Mendes, subiram ao poder Lula – Presidente e Eduardo Braga – Governador do Amazonas. Todos no Cutuá e Ipixuna, mas os parceiros acreditavam na criação da RESEX pelo Lula. Era promessa de campanha. Eu mesmo participei de reuniões em âmbito federal que aparecia essa UC como meta a ser criada.
Em 2003, o Lula assina com Eduardo Braga o Pacto Federativo, aonde o governo federal repassou algumas atribuições para o Estado do Amazonas.
O Eduardo Braga assume o governo com o lema de Zona Franca Verde. Cria a SDS – Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e tem nos seus discursos os lemas da Rede GTA, CNS e COIAB, de “manter a floresta em pé” e trabalhar com as comunidades. Incorpora também as bases orientativas do Governo Lula. E em um acordo entre governos, Eduardo Braga pede a RESEX do Catuá – Ipixuna para o Estado do Amazonas criar. Seria a 1ª RESEX Estadual, modelo para as demais que iriam ser criadas. O Estado do Amazonas iria diversificar seu leque de UC´s e esta estava pronta todo o processo. E Lula repassou.
Caiu feito uma bomba isto no Catua – Ipixuna. Todos pensavam no modelo RDS. Não havia confiança no atual governo, ele representava a mudança, mas era do grupo de Amazonino Mendes. A negociação foi duríssima. O Eduardo Braga levou várias lideranças do movimento social para seu governo e estas ficaram a frente desse processo. As comunidades e parceiros solicitaram uma audiência pública de novo na futura RESEX, chamaram ainda o IBAMA/CNPT para explicar o que havia acontecido.
Os dois eventos demoraram 05 dias e foram separados, dois com o IBAMA, que não podia fazer mais nada, mas explicou todo o processo e três com a SDS. Houve a participação de mais de 400 pessoas, além de parceiros de Tefé e Coari, sendo que foi necessária a ida do Secretário de Estado do Meio Ambiente lá na RESEX para formalizar o acordo, que ficou conhecido, na RESEX como a “Carta do Catuá” e no âmbito da SDS, a “Carta dos 25 Pontos”, aonde o Governo do Estado, por ordem do Governador se compromete com diversos pontos no que se refere as políticas públicas nas duas regiões e a implementação da RESEX. Isso se deu em Julho de 2003, sendo que em setembro de 2003, a RESEX do Catuá – Ipixuna foi criada pelo Eduardo Braga – Governo do Amazonas.
Nesse processo de negociação, a RESEX ficou fortalecida de fato, mas não houve uma implementação das políticas públicas acordadas. O governo do estado priorizou outras áreas, usou a RESEX do Catuá – Ipixuna como exemplo do processo participativo, mas não fez nada para criá-la, aproveitou um processo feito pela Igreja Católica e seus parceiros e depois pelo IBAMA/CNPT.
Para deixar registrado, a RESEX entrou no Programa ARPA e no Programa de Assentamento do INCRA. O ARPA ofereceu um mínima estrutura para a chefia, fato que só aconteceu em Setembro de 2008, e o INCRA teve na AACI a parceira para execução do programa, que está na fase final da habitação.
As discussões sobre o conselho gestor se deram em 2006 e 2007. A portaria saiu em janeiro de 2008, sendo que em setembro de 2009 o CEUC – Centro Estadual de Unidades de Conservação do Amazonas pediu a revisão, pois não conseguia reunir as entidades do próprio governo. Mesmo assim a revisão não foi oficializada ainda, valendo a composição de Janeiro de 2008. O plano de gestão foi elaborado em 2009. Está consolidado com as diversas audiências públicas – 03 no total, coisa inédita no Amazonas, aonde alguns planos ficam no site da SDS para análise. Mesmo assim o conselho não aprovou em sua última reunião desde ano de 2009, não houve coro. A AACI alega que não recebeu o plano para análise e as instituições que compõe o conselho também. A prática do Estado do Amazonas é discutir a aprovação do plano na hora, sem tempo hábil para análise, pois entende que os conselheiros já participaram da audiência pública. Mesmo assim, a aprovação ficou marcada para janeiro de 2009.
Na última assembléia da AACI, em novembro de 2009 e depois comparando esta RESEX com as demais estaduais e com as federais, esta não tem nada consolidado, não tem uma política pública de apoio a geração de renda, de apoio a organização social e pior ainda, os principais parceiros saíram para outras regiões. A única que sobrou por lá é GTA – Regional Tefé, que não tem mais força para se fazer presente nem na assembléia da AACI. A RESEX continua sendo pressionada pelos pescadores, pelos grileiros de terra, pelos ditos donos das terras. Nos anos de 2008 e 2009, a principal liderança da RESEX e ex-vice-presidente foi surrado, teve a casa queimada, foi preso e conduzido para a cadeia pública de Coari pela Policia Militar, acusado de invadir terras privadas dentro da RESEX. Ai se evidenciou a falta de regularização fundiária, item principal da Carta do Catuá. A SDS e a Policia Militar pressionada pelo CNS e GTA e mais a Igreja Católica fizeram uma ação forte contra os policiais e delegado e pediram desculpa publicamente na RESEX, além de pagar a gasolina para a liderança serrar a madeira para fazer uma nova casa. É isso mesmo ajudou com gasolina, pregos e alumínio, mas não fez a casa que estava pronta e foi queimada pelo Estado. Depois do pedido de desculpa da Polícia Militar, a liderança foi presa de novo.
De fato, entre as RESEX estaduais e federais no Amazonas, a RESEX do Catuá-Ipixuna não é exemplo de implementação de UC e nem de políticas públicas. As lideranças de lá e as famílias sabem disso. Sabem que o Estado colocou de lado esta UC, mas não deixaram de solicitar o cumprimento do que consta na carta. Mudou a secretária da SDS, mas a pressão é a mesma. Lá as coisas funcionam do jeito que a associação quer, não como o Estado deseja. Por isso as coisas em determinados pontos não avançam. A disputa política é grande, não há divisão ainda na associação, o Estado até tentou mudar as lideranças, mas não houve mudanças é a pressão é grande aqui em cima do CEUC. A AACI ainda tem como aliada a Rede GTA, liderada por mim, que sou de lá e do Chiquinho que vive em Tefé e conhece a luta desde a preservação de lagos.
A RESEX continua suas ações de conservação. Sim, agora conservação. A palavra preservação ficou na década de 90. Apesar de ser pressionada, a AACI agüenta a proteção com os seus AAV, apoio o Chefe da UC que nasceu cresceu por lá e tem suas raízes ficadas e mantém um esquema de formação de lideranças jovens e adultas firmes, além de cobrança de políticas públicas dos municípios de Coari e Tefé.
Mantém firme, sem o apoio do Estado um acordo de uso da RESEX – eles chamam de Plano de Uso, e um programa de reuniões da diretoria executiva, do conselho administrativo e da assembléia anual impressionante. Enquanto, as instituições falam que não conseguem se reunir, eles lá executam seu plano de ação política sem problemas. Ao longe é uma ação que me orgulha muito e nesse item, a RESEX pode ser exemplo para outras.
Por fim, quero registrar aqui, o que as lideranças de lá me partilharam: aqui no Catuá e no Ipixuna a oportunidade de vida das pessoas, dos animais e da floresta é possível, pois tomamos as decisões para isso. Continuamos pedindo apoio de todos, das instituições e do governo, pois não podemos caminhar sozinhos com a RESEX, mas saibam que temos muito para oferecer, pois aprendemos a preservar e depois conservar, fazendo na prática. Nenhuma pessoa que vive aqui é rica ou sabida, mas todos se dedicam para viver bem. Temos muito orgulho e forte de ter vencido a luta pela criação da RESEX, e de hoje temos essa área protegida por lei, alias duas leis, pois não permitimos que o IBAMA revogar a portaria dos lagos. Temos orgulho de tantas pessoas que saíram dessas duas áreas para estudar e agora voltam para nos apoiar, ou dão uma palavra de incentivo para continuar a luta pela conservação. Há muita pressão, de todos os lados, não avançamos tantos, mas tudo que fizemos ou que aconteceu foi de comum acordo entre todos, demos um passo de cada vez e se errarmos foi junto, mas temos mais acertado, com a vontade de Deus.
Para aqueles/as que querem saber sobre o Catuá e Ipixuna, só tem uma maneira: falar com seu povo. Fico feliz de ser parte daquele povo.
Grato
Francisco Aginaldo Queiroz Silva
Educador Popular
Telefone/Fax: 092-3622-5658 – Celular: 092-8196-6605 – Skype: aginaldo.queiroz

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