sexta-feira, 11 de maio de 2012

O QUARTEL DE ABRANTES

O Quartel de Abrantes
Quando eu era criança, minha avó, graças a Deus ainda viva, hoje com 103 anos, morando na Cidade de Tefé – AM, me dizia quando estava tudo igual: filho está tudo como antes no quartel de Abrantes. Depois fiquei jovem e na Rádio Educação Rural de Tefé – RERT, tinha um programa que o apresentador, que não lembro o nome, pois procuro esquecer as coisas ruins, falava sobre a Cidade de Tefé, falando que estava tudo como antes no quartel de Abrantes. De fato sempre a frase me vem a cabeça, mas nunca tinha sentido vontade de repetir-la ou aplicar-la em alguma ação. Até hoje, pois não entendia de fato a sua intenção.
Mas nessa semana de meio ambiente, acho que a frase se aplica bem para aquelas ações que não avançaram. Acho que podemos aplicar-la nesse contexto socioambiental, para quem tinha expectativa e nada viu de concreto, para quem sonhou com algo novo e nada de novo apareceu, para quem viu uma luz no fim do túnel e agora nem o túnel está vendo.
A semana passou como um raio, somente uma luz brilhou e depois apagou. Bombas foram sendo jogadas e minaram as expectativas anteriormente criadas. Claro que aparecem várias pessoas ainda com a animação, não foi agora, mas vai ser amanhã. Calma que não vamos desistir. Mas de fato, as ações não se concretizaram.
Mas afinal, que expectativas são essas, de quem partiram, que choros estão se ouvindo, se ninguém ouve nada de nenhum canto, será que ninguém está sorrindo.
Sim tem gente sorrindo, muita gente. Recebi e-mail e telefonemas dizendo da alegria de quem vive a beira mar, aliás no mar lindo. Tive a felicidades de conhecer esse povo, gente muito bacana. Minha companheira sempre me lembra da beleza do lugar. Falo de Cassumbá, na Bahia, agora RESEX. Viver ali nessa região é privilégio de poucos e tem gente boa, como dizem os baianos oxalá meu Pai, que os ventos continuem sobrando em popa. Estou feliz por essa dura vitória, são anos de luta e árduo trabalho de muita gente. Compartilho da alegria deles.
Estendo parte dessa alegria ao companheiro Adilson, que dedica sua vida a causa socioambiental, que hoje faz aniversário. Estendo essa alegria também ao IPDA, que hoje faz 10 anos de existência na Amazônia e tem sua vida institucional dedicada aos extrativistas e ribeirinhos do Amazonas. Parabéns a todos e se puderem fazer festa, o façam. São vitórias belíssimas vossas lutas e vidas.
Mas, fico triste pelo não avanço em tantas outras regiões. Aqui no Amazonas, meu pedaço de chão, a coisa não está tão boa, não dar para fazer festa. A miséria impera em um estado tão rico, a insegurança bate as nossas portas. Gente nossa é ameaçada e de vez em quanto, morta ou surrada e ninguém sabe quem fez ou não há punição. Quando se acha o corpo ainda é bom, pois se dar um velório e se sabe aonde enterrar, mas quando não se acha, quando as pessoas de má fé dizem que não morreu e está foragido, inventam ações que a pessoa em vida nunca fez.
Nossas honras ao Sr. Pedro do Rio Negro. Não tão conhecido das grandes rodas do movimento social, mas liderança séria de um povo sério, que tem a conservação e sua vida dedica a natureza, de fato guardião da riqueza, que tombou, nesse dia sem muitas explicações do que tirou sua vida.
Também o povo do Rio Jauaperi e Rio Branco, no Rio Negro estão calados nesse dia. A RESEX deles mais uma vez foi travada. Agora não mais pela Casa Civil. Foi pelo próprio MMA, que retirou a documentação da mesa de Lula no dia 25.05 e não devolveu mais. Quais os motivos, o que faz um governo recuar de uma possível felicidade de um povo. Não dar para entender. Pior ainda, não dar para comemorar nada.
Para somar mais causas, nessa mesma semana, o IBAMA recusou a reedição do acordo de pesca do Rio Jauaperi, porque o IBAMA do Amazonas e Roraima não estiveram na assembléia do acordo e nem apóiam a reedição. Não cumpriu os procedimentos internos da casa, mas vale lembrar que o próprio IBAMA não aceitou participar do evento, se furtou de conversar com o povo. Que procedimentos são esses que não ver a defesa e causa do povo, que não absorve os interesses de inúmeras famílias, de uma região belíssima ou no fim da conta, os interesses são dos empresários de pesca esportiva, dos geleiros que dão as cartas ao órgão ambiental e dizem como e quando deve sair uma portaria. O que faz um MMA retirar um processo finalizado de uma UC, aonde o povo clama há anos por uma proteção de seus recursos, o que está atrás disso, quem ganha com esse recuo.
Mais há mais tristeza nesse pedaço de chão, em âmbito de estado. Aguardávamos a publicação dos planos de gestão das UC´s, a criação dos conselhos consultivos e deliberativos dessas UC´s de forma formal. Tipo portarias, decretos. Têm planos que já vão para a casa dos 03 anos que passaram pela audiência pública, já precisam serem reformulados. Tem conselhos que nem estão oficiais, por isso não podem ser reunir ou não há interesse nesse processo. As cobranças são muitas, as promessas mais ainda. O fato de criar 41 UC´s é importante, é garantia de viva para muita gente. Isso não se descarta, mas é bom falar da gestão, da implementação e esses dois instrumentos: plano e conselho são importantíssimo nesse processo.
Parabéns a RDS do Cujubim, Parque Setor Norte, Parque Sumaúba e a RDS do Uatumã que receberam a menção do plano de gestão. Ainda faltou no ato solene do governo a portaria, portanto, não posso afirmar que estão oficializados e não houve menção ao conselho. Então pé atrás. Propaganda todo mundo faz todo dia e todo dia dizem que vão fazer mais, no entanto, publicar de fato, dar oficialidade, atender as demandas do povo, muitas vezes nada.
Mais há o que se comemorar. Criou-se a Secretaria Estadual dos Povos Indígenas, que absorve a FEPI, sendo que tem pouco tempo para trabalhar, mas era uma demanda dos povos indígenas, não sei dizer o significado dessa conquista, mas é a segunda secretaria indígena criada nesse país. Torço para os companheiros indígenas avançarem em suas lutas, que de fato avançaram em muitas frentes, mas em determinados lugares estão iguais aos ribeirinhos e extrativistas, exemplo: produção sustentável, extrativismo, educação e porque não dizer, a saúde, direito a terra.
Esperava uma menção do governo do estado as populações que estão sofrendo com a cheia, mas que não desistiram de suas áreas, que fincaram pé em sua reserva e vivem a esperança do apoio para reconstrução de suas moradias e a retomada da produção. Não só gente que vive nas UC´s, pois o estado não é feito somente de UC´s. Nossa luta não é só para quem vive nas UC´s, vai mais longe. É direcionada para quem vive nas barrancas dos rios, dos lagos, dos igarapés, que conserva 98% desse estado com a floresta em pé. O discurso é lindo: 98% de floresta em pé, preservada pelos guardiões da floresta, enquanto isso o guardião está na morando na maromba, no trapixe de paxiúba ou na casa com seu vizinho em uma terra firme.
Todas as informações que circularam em jornais dados pelos órgãos oficiais falaram da grande cheia. Conversando com as lideranças de base, amigos, me dizem que a de 1999 foi maior no Rio Solimões. As medidas ribeirinhas não foram atingidas. Perguntei o que mudou para tanta desgraça, qual a diferença para se ter tantas perdas na produção, nas residências, ter provocado a saída do povo, se não bateu sequer a de 99.
Meu sábio amigo Osório, companheiro de longa data do Alto Solimões, entre nós há muito tempo e inspirador ainda para determinadas lutas, em sua vivência apresenta um fato, que a mídia, os sábios da meteorologia e recursos hídricos não divulgam, não falam para o povo, não esclarecem o que mudou no grande rio. A explicação: a cheia não foi maior que a 99, no entanto, durou mais tempo em um determinado nível elevado. Enquanto a de 99 teve uns dias de pico, a de 2009, passou cerca de 40 dias em mesmo nível elevado, o que obrigou o povo ribeirinho a procurar ajuda, outros lugares. Mas fica ainda para registro, a maior é a de 53. Como não vi esta, fico com as imagens de 99 na região de Tefé e a 2009, na região de Manaus.
Mas, voltemos ao governo. Tirando a ação emergencial, que não chegou a todos os municípios atingidos e nem vai chegar, pois já começou a vazar em determinadas calhas de rios e não há perspectiva de investimentos para o ribeirinho, aos povos da beira do rio. Vejamos: precisamos na beira do rio de apoio para a construção das casas, sementes, pau de maniva e se possível, um financiamento. Isso o estado não tem, pois as políticas não foram construídas para esses povos. Se você viver em uma UC e se esta fizer parte da FAS talvez chegue o programa de geração de renda, após um grande estudo de viabilidade e uma assembléia da associação, você poderá ser contemplado. Essa é a política e a perspectiva.
As ações não param por aí. A Petrobras vai varar a floresta de Carauari para Tefé, com um novo gasoduto. Fez um estudo pauleira, aonde aponta que no trecho que vai ser cortado não tem gente e nem UC´s. Nada impede nada. Vamos construir as obras, que esse estado tem gás. Vamos lá. Vivi 37 anos de minha vida na região de Tefé. Conheço muitos lugares naquelas matas, em todo lugar há gente. A Floresta Nacional de Tefé é uma UC imensa, que a Petrobras detonou na década de 80 e agora sequer quis ouvir o pessoal do IBAMA na audiência pública. A desculpa: a audiência pública não foi feita pela Petrobras foi pela SDS, através do IPAAM, mas ela estava lá. A grande chama acessa em Tefé e Carauari é o emprego que vai ser gerado. Agora em crise, qualquer coisa serve, inclusive abrir novas expectativas.A Petrobras devia é pagar o ônus ou o passivo social e ambiental da FLONA Tefé e da Cidade de Tefé causada na década de 80 e 90 e nem vou falar de Carauari, aonde causou um enorme êxodo rural e agora faz audiência para criar expectativas. Repito o que disse há anos no embate político com o governo federal e estadual. Vão construir mesmo. Então estaremos lá para dizer o que queremos que façam. Não pode haver desenvolvimento a qualquer custo. Um estudo não pode dizer que não exista gente aonde tem. Vão repetir o que fizeram no gasoduto Coari – Manaus e Coari – Porto Velho. Não cumpriram nenhum acordo até agora.
E meus amigos da Estrada da Emade, em Tefé. Quando as desgraças vem é sempre de muitas e de todos os lados. Mesmo assim tenho saudades de suas belezas. Mas voltemos a Emade, que significa Empresa Amazonense de Dendê, já extinta pelo estado. Gastou mais 03 milhões de dólares e não produziu meio litro de óleo de dendê. Repito: não produziu meio litro de óleo de dendê. A terra foi abandonada e agora o governo do estado ressuscita o projeto de novo com os malaios. Agora maior: 100 mil hectares, sendo 20 mil para derrubar de floresta e 80 mil para reserva legal.
O ITEAM diz que não tem ninguém nesta área, e agora tem e apresentam as perspectivas: todas as famílias vão produzir dendê e os malaios comprarão. A SEPROR reforça a idéia: pode fazer isso de forma consorciada com a mandioca. De fato, com a assistência técnica do IDAM, vão produzir pelos menos um litro de óleo de dendê. É brincadeira. Pior ainda: o município foi consultado as pressas. As famílias forma informadas pela rádio e as audiências não foram para ouvir o povo e nem para apresentar a proposta, mas sim para falar da geração de emprego e renda com o plantio de dendê.
Esperava que houvesse recuo depois de tanta pressão para serem respeitadas as famílias que vivem lá. Que as nascentes do Igarapé do Xidarini ficassem fora, mas isso não aconteceu. Antes que me batam e tem uma turma querendo fazer isso, não sou contra o dendê, contra os malaios e nem contra o governo do estado. Querem gastar dinheiro, tudo bem. Querem provar que vão produzir um litro de óleo de dendê, tudo bem. Mas deixem o povo trabalhador continuar plantando sua roça, produzindo sua farinha, a melhor desse estado; deixa as nascentes do belo Igarapé do Xidarini em paz, que com muita luta entrou no plano diretor de Tefé como área preservado do município, se desmatar já era para essa rara beleza de Tefé; deixa a estrada da Emade que o Ministro Alfredo asfaltou em paz, essa demorou mais de 20 anos para ser asfaltada é agora querem entregar aos malaios; deixe o porto de Tefé para o povo de Tefé, não entregue aos malaios. É só isso que precisava ouvir essa semana. Já ia me esquecendo. Lembrete do meu tio Nonato Queiroz, produtor rural da Estrada da Emade: deixem meu sitio em paz, que lá não há desmatamento, há preservação. Tio, o recado está dado, mas acho que o governador e os malaios vão passar o trator por lá.
Por fim, vamos falar da política extrativista. Que tal o subsídio estadual da borracha ir para R$ 1,00. É sonho. Também o Lula veio com o preço mínimo de R$ 3,50 e agregou a este os R$ 0,70 dados pelo estado, e agora o governo não vai querer ir para esse valor. Parabéns ao povo da malva e juta que mantém seu subsidio em alta, com crise ou sem crise. Mas alguns malveiros e juteiros, digo malveiros e juteiros dizem que este subsídio ainda é uma miséria. Recebi vários e-mail e telefonemas falando sobre o subsídio da castanha, qual o apoio para essa cadeia. Aproveito para responder de forma geral. Quando esta cadeia tiver o apoio, volto a produzir castanha. Tenho produzido anualmente três ouriços. Certo está meu companheiro Bosco que guardou a castanha desse ano para as cutias comerem e plantarem na floresta. Aproveito para avisar o Bosco, lá em Tefé e já mandei vários recados para que ele tire as cutias da frente dos tratores, pois elas não estão consideradas no programa de conservação ambiental atual do governo do estado e dos malaios e estendo o aviso lá para a RESEX do Catuá/Ipixuna, terra linda, que pretendo um dia ser enterrado, avisem ao meu amigo Cutia, que ele continua sendo uma espécie a ser surrada, amarrada, presa e possivelmente com esta cheia, extinta, pela caçada desenfreada. Aos meus amigos dos óleos vegetais e artesanatos de fibras e sementes, digo não desanimem, não há políticas de incentivo, mas as perspectivas são boas para depois da crise, que todo político desse estado e país adora dizer e que ninguém sabe quando terá um fim.
Falando em fim, volta agora a frase de minha avó e do antigo radialista, que alguns amigos me comunicam por e-mail que agora é um vereador de Tefé, que beleza, Tefé tem jeito ainda e, aqui nesse estado e país: continua tudo com antes no quartel de Abrantes.
Manaus (AM), 05 de junho de 2009.
Francisco Aginaldo Queiroz Silva
Educador Popular

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